sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O elo mais fraco



A destruição criativa

"A economia portuguesa está a mudar e com enorme violência para muitos portugueses sem qualificação e pequenas e médias empresas sem capacidade de adaptação ao novo lugar que o mundo impõe para Portugal.

A velocidade com que se estão a destruir postos de trabalho menos qualificadas é uma das imagens desse abalo.

Os números ontem revelados pelo Instituto Nacional de Estatística mostram que em dois anos (2008 a 2010) deixaram de estar empregadas mais de 400 mil pessoas que só tinham nove anos de escolaridade. Em contrapartida aumentaram em 170 mil os empregados com escolaridade superior.
Claro que daqui não podemos concluir que a economia está a gerar empregos mais qualificados. Apenas sabemos que mudou a estrutura de qualificações do emprego, que o número de empregados com apenas nove anos de escola está a diminuir muito significativamente, enquanto aumentam, mais lentamente, os empregados com o ensino secundário e superior. O que está a fazer a maioria das pessoas com qualificações que arranjou emprego? Sabemos pouco.

Conhecemos daqui e dali algumas histórias de licenciados a trabalhar em caixas de supermercado ou em lojas. Mas serão essas histórias representativas? A realidade pode estar algures num ponto intermédio. Há emprego qualificado que está a ser criado e há empregados qualificados a fazer trabalho não qualificado. Duas dinâmicas que convergem para expulsar do mercado de trabalho quem andou pouco tempo na escola.

O que se está a passar leva à óbvia antecipação de que vamos viver durante vários anos com uma elevada taxa de desemprego caso essas pessoas menos qualificadas não emigrem ou não estudem.
O programa "Novas Oportunidades" é, desse ponto de vista, um importante contributo para combater o desemprego que esta crise está a gerar. A baixa escolaridade da mão-de-obra portuguesa ameaça ser uma restrição significativa à reestruturação do tecido empresarial.
Os casos de sucesso que se vão contando pelos dedos das mãos e justificam ainda que sejam transformados em notícia à medida que o tempo vai correndo tenderão a generalizar-se e poderão encontrar na falta de trabalhadores o problema maior para a sua generalização. Para já não é o que se está a passar, a crer pelo menos no tipo de empresas que se queixam de não conseguir arranjar emprego. Mas há sintomas, a par do perfil da dinâmica do emprego e do desemprego, de que se está a operar - finalmente - uma alteração estrutural na economia portuguesa.

O caso do encerramento da Charles, marca de referência de sapatos, é um de outros exemplos. Morre a Charles mas vivem com grande vitalidade as "Fly London". Sapatos não são exactamente sapatos simplesmente porque uns geram mais valor que outros - pouco importa se continuamos nas indústrias ditas tradicionais, o importante é subir, como está a acontecer na cadeia de valor.
O retrato do que se está a passar no emprego e na produção ainda é nebuloso mas mostra já que a economia está a mudar. Alguns estão a sofrer com o desemprego e as falência. Outros já estão a ganhar. Por enquanto ainda vemos mais destruição que criação. Mas o País está a mudar com dor e violência. Como é a destruição criativa."

8 Agosto2010 | Helena Garrido | Editorial do Jornal de Negócios



Permitam-me ser optimista!

A actual conjectura económica, derivada da crise financeira que se instalou nos finais de 2007, pode ser uma ocasião propícia para prosseguir com a necessária reconfiguração da economia portuguesa. Mas as reformas são duras, têm importantes custos sociais e exigem um Estado que lhes dê resposta.

Apesar das muitas críticas de forma que podem ser feitas ao anterior ministro da economia Manuel Pinho, é incontestável o seu mérito na adopção de uma estratégia para Portugal. Um mérito que é estendível a outros dos seus pares como os ministros das finanças, educação ou dos negócios estrangeiros.

No campo da educação, muito tem sido feito nos últimos anos. Apesar das imensas críticas que se têm ouvido (algumas delas tremendamente populistas e demagógicas e outras no interesse das corporações que teimam em “atrasar” o país), a verdade é que os últimos anos coincidiram com a reactivação das escolas profissionais, com a introdução do Inglês no 1º ciclo, com o programa novas oportunidades, com a difusão do acesso à informática e à banda larga e com a democratização do acesso ao ensino superior. Se é admissível que algum do trabalho realizado vai directamente para o campo das estatísticas, a verdade é que em pouco tempo teremos uma geração de jovens portugueses que possuirá competências ímpares para a inserção num mercado de trabalho cada vez mais competitivo e globalizado.

No campo da Economia, é evidente a diversificação da base exportadora e a melhoria de algumas das dimensões do clima de negócios potenciadas pelo Plano Tecnológico. Efectivamente, os custos de contexto tendem a diminuir. Depois, é incontestável que, não só evoluímos na cadeia de valor, como também exportamos para um número cada vez mais alargado de países. Aqui, a importância dada à diplomacia económica é fundamental: as unidades diplomáticas são já mais do que mero espaço de representação, são muitas vezes importantes alavancas para as políticas de exportação. Por outro lado, Portugal tem vindo a evoluir no ranking europeu da inovação, sendo mesmo o país, de entre os moderadamente inovadores, onde o crescimento é mais acentuado. E há a aposta nas energias renováveis, decisiva para um país tão dependente energeticamente do exterior.

As empresas que vêm nascendo têm maior vocação exportadora e integram uma mão-de-obra cada vez mais especializada e qualificada.

Estas dimensões da mudança que está a ocorrer no país trarão claras implicações sociais; custos para as franjas mais desfavorecidas da população portuguesa que temo não estarem a ser devidamente acautelados, acentuando-as como o elo mais fraco da sociedade. As restrições económico-financeiras implicaram a adopção de políticas sociais mais restritivas, nomeadamente ao nível do apoio aos desempregados. Ora as últimas estatísticas mostram que o desemprego de longa duração tem vindo a crescer, afectando principalmente pessoas com baixos níveis de qualificação. E a tendência é para o agravamento desta situação. Pede-se por isso que sejam dadas as condições para que as camadas da sociedade com menores qualificações possam ser formadas e enquadradas na “nova economia”. Pede-se também que os apoios sociais não sejam cortados de uma forma inconsciente.

Estes ajustamentos levam tempo mas são necessários; convém no entanto não esquecer que, mais do que nunca, é necessário um estado verdadeiramente social.




4 comentários:

  1. A classe governante pode e deve traçar a linha estratégica para a máquina económica do país. Não tenho, sequer, dúvidas de que haja frutos a advir desta acção: "ensino" secundário, informática, línguas estrangeiras, apoio ao acréscimo de valor da produção e à exportação... Admirável! O caminho também terá de ser esse. Mas será essa a resposta para o problema de competitividade?
    Tendo a acção de mudança por base a acção deste renovado, mais qualificado capital humano, o seu sucesso irá depender de factores também eles humanos: a ambição dos empresários, a não inércia dos diplomatas económicos, a motivação dos quadros superiores das empresas – em particular as exportadoras.
    Não tenho grandes dúvidas de que a origem do mau-olhado actual da nossa economia se retém numa falha de atitude; é como que uma falta de óleo na engrenagem da máquina. Saber mais é importante, mas é preciso querer mais e querer dar mais. Enfim, para que a remodelada estrutura singre, parece-me necessário que a qualificação equivalha a produtividade e, em última instância, a ambição. Ora, neste capítulo, reservo-me o direito de ter reservas.

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  2. não é uma situação fácil de aceitar, mas provavelmente as dificuldades de grande parte da população (nomeadamente os desempregados de longa duração) são, não apenas o reflexo da necessidade de modernização, mas também condição necessária para essa modernização.

    infelizmente, a nossa história e a nossa cultura parecem indicar que, de um modo geral, tendemos a conformar-nos com a mediocridade quando há pão na mesa, e só apresentamos esforço efectivamente quando temos de lutar para sobreviver.

    daí que, depois de décadas de crescimento, sobretudo nalguns sectores, continuemos com grande parte dos empresários e dos trabalhadores com competências idênticas às que por cá havia em 1980.

    fica a questão: será possível reabilitar esses desempregados de longa duração sem formação e torná-los novamente produtivos, ou só resta ao estado suportá-los indefinidamente?

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  3. Apesar de não estar plenamente a par das medidas acima mencionadas, reconheço a sua pertinência e validade no desenvolvimento de competências e na qualificação do capital humano que não acompanhou, profissional e academicamente, a evolução da Economia e que por isso não se consegue inserir no actual mercado de trabalho.
    Apenas me vou debruçar sobre a questão que me parece mais urgente: o desemprego de longa duração. "...as últimas estatísticas mostram que o desemprego de longa duração tem vindo a crescer, afectando principalmente pessoas com baixos níveis de qualificação" - daqui percebe-se a necessidade premente de tentar corrigir estas falhas estruturais da nossa economia, caso contrário criar-se-á, num futuro próximo, um gap demasiadamente grande e permanente entre os não qualificados e a população que se tornou "extremamente" qualificada. No entanto, reconhece-se que esta franja da sociedade que está menos qualificada também está, por inerência, mais desfavorecida e mais dependente do Estado e dos apoios sociais que dele advêm. Ora, "pede-se também que os apoios sociais não sejam cortados de uma forma inconsciente" faz todo o sentido, mas até que ponto é que as políticas sociais não continuam a alimentar esta dependência e por isso a dificultar os apelos e incentivos para que as pessoas apostem na educação, formação e reentrada no mercado de trabalho??? Creio que existe uma linha muito ténue que separa uma política social eficaz e compaginável com medidas de qualificação da população e políticas sociais que "incentivem" a inércia e a dependência de apoios sociais.

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  4. acho muito pertinente a tua observação, hélder...

    não aceito que o estado deixe seja quem for entregue à fome e miséria, independentemente das histórias que todos conhecemos de oportunistas que tiram proveito indevido dos apoios.

    só que de nada adianta dar de comer às pessoas por si só. como faremos com que amanhã não haja gente a morrer de fome?

    se as ajudas de hoje fizerem com que amanhã haja mais gente a precisar de ajudas até que ponto são a melhor opção?

    ou, se quisermos colocar de outra forma, de que forma podemos impedir que a existência de ajudas incentive a "inércia e a dependência de apoios sociais"?

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