O parlamento francês aprovou hoje definitivamente, com o voto do senado, o projeto de lei que interdita o uso do véu islâmico integral em espaços públicos, a entrar em vigor na primavera de 2011.
A promulgação da lei está ainda dependente da emissão de um parecer do Conselho Constitucional, que se deverá pronunciar dentro de um mês.
França, onde o véu integral é usado por cerca de 190 mulheres, segundo estimativas oficiais, torna-se assim o primeiro país europeu a proceder a esta interdição generalizada. Uma medida similar está em curso de adoção na Bélgica.
Dois meses após a aprovação na câmara baixa do parlamento francês, foi agora a vez do senado confirmar a proibição legal do uso do véu islâmico em locais públicos. Na verdade, a proibição refere-se à “dissimulação do rosto”, embora o objectivo - claro e assumido - não esteja relacionado com o carnaval.
Aproveitando a deixa, decidi fazer um pequeno levantamento de argumentos favoráveis a esta decisão.
o véu ameaça a minha segurança - a burqa e o niqab podem ser usados (e já foram usados) para ocultar armas e bombas, pelo que (afinal) isto é mesmo é uma questão de protecção da integridade e dos direitos de todos nós. É bem lembrado. Aliás, já não vou olhar da mesma forma para freiras, mulheres corpulentas, jovens com sacos de desporto e turistas com malas de viagem, nomeadamente os de tez acastanhada, escurinhos. Além disso, tenho direito de saber se a pessoa que está ao meu lado no elevador tem cara de sociopata. Imaginemos só o que seria poder acabar com todos os crimes, raptos, tiroteios em escolas e desvios de aviões levados a cabo por pessoas ocultadas com véus islâmicos...
a obrigação de as mulheres muçulmanas usarem burqa é indecente porque simboliza a opressão e lhes nega a sua autonomia - de acordo, mas acrescento: a proibição de as mulheres muçulmanas usarem burqa é indecente porque simboliza a opressão e lhes nega a sua autonomia. Mais: o véu simboliza a opressão, não é a opressão. Acabar com o véu não é acabar com a opressão.
os que defendem o "direito de escolha" das mulheres a usar o véu integral estão a apoiar uma ideologia que só atribui um direito às mulheres - o de cobrirem os seus rostos - pondo de parte as mulheres que o fazem por sua opção, ainda que condicionadas pelo peso da cultura e da tradição, não é esta lei que vai libertar as muçulmanas da discriminação e subjugação por parte dos seus maridos, pais e familiares. A lei francesa não permite às mulheres saírem de casa de véu; a tradição islâmica não lhes permite sair de casa sem véu. Duas soluções: ou a sua comunidade se torna súbita e inesperadamente menos fundamentalista, ou estão condenadas a prisão domiciliária. O caminho a percorrer é longo, bem mais longo que este atalho legal.
Para o governo francês, trata-se aparentemente de uma questão de igualdade, dignidade, integração. Percebo e aplaudo a intenção de não criar guetos culturais e integrar todos os habitantes franceses de modo a que a convivência seja pacífica e tolerante. Contudo, acho que esta medida é a forma mais rápida de se conseguir o contrário. Radicalizar posições só serve para afastar as duas culturas, incentivando o “orgulho muçulmano” a exacerbar as suas diferenças e identidade própria.
Recuperando o lema da revolução francesa (os tais princípios republicanos referidos pela ministra francesa) - Liberté, Egalité, Fraternité - podemos reparar que a igualdade está devidamente enquadrada pela liberdade e pela fraternidade. Não faz sentido, pois, aceitar que a igualdade se consegue pela imposição de vestirmos os mesmos trajes, comermos a mesma comida ou termos os mesmos princípios e cultura. Em suma, igualdade não é normalização. Só seremos iguais enquanto todos tivermos liberdade de fazermos as nossas escolhas e seguirmos os nossos princípios e culturas.
Já no passado Sarkozy havia relacionado o uso deste tipo de indumentária com a perda da identidade francesa. De resto, este acto parece totalmente enquadrado com a expulsão de ciganos ou a proibição de minaretes na Suiça: más desculpas para branqueamentos étnicos.
Conforme demonstra Raquel Evita Saraswati, num texto que vale a pena ler e reler, a burqa e o niqab foram criados para tornar invisíveis as mulheres dentro de algumas sociedades muçulmanas. O estado francês criou uma lei que torna invisíveis as mulheres muçulmanas aos olhos da sociedade francesa. Num e noutro caso, o instrumento é o mesmo: o corpo da mulher. É diferente?