sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Extreme Makeover | Esse véu tão démodé







O parlamento francês aprovou hoje definitivamente, com o voto do senado, o projeto de lei que interdita o uso do véu islâmico integral em espaços públicos, a entrar em vigor na primavera de 2011.
A promulgação da lei está ainda dependente da emissão de um parecer do Conselho Constitucional, que se deverá pronunciar dentro de um mês. 
França, onde o véu integral é usado por cerca de 190 mulheres, segundo estimativas oficiais, torna-se assim o primeiro país europeu a proceder a esta interdição generalizada. Uma medida similar está em curso de adoção na Bélgica. 


Dois meses após a aprovação na câmara baixa do parlamento francês, foi agora a vez do senado confirmar a proibição legal do uso do véu islâmico em locais públicos. Na verdade, a proibição refere-se à “dissimulação do rosto”, embora o objectivo - claro e assumido - não esteja relacionado com o carnaval.

Aproveitando a deixa, decidi fazer um pequeno levantamento de argumentos favoráveis a esta decisão.

o véu ameaça a minha segurança - a burqa e o niqab podem ser usados (e já foram usados) para ocultar armas e bombas, pelo que (afinal) isto é mesmo é uma questão de protecção da integridade e dos direitos de todos nós. É bem lembrado. Aliás, já não vou olhar da mesma forma para freiras, mulheres corpulentas, jovens com sacos de desporto e turistas com malas de viagem, nomeadamente os de tez acastanhada, escurinhos. Além disso, tenho direito de saber se a pessoa que está ao meu lado no elevador tem cara de sociopata. Imaginemos só o que seria poder acabar com todos os crimes, raptos, tiroteios em escolas e desvios de aviões levados a cabo por pessoas ocultadas com véus islâmicos... 

a obrigação de as mulheres muçulmanas usarem burqa é indecente porque simboliza a opressão e lhes nega a sua autonomia - de acordo, mas acrescento: a proibição de as mulheres muçulmanas usarem burqa é indecente porque simboliza a opressão e lhes nega a sua autonomia. Mais: o véu simboliza a opressão, não é a opressão. Acabar com o véu não é acabar com a opressão.

os que defendem o "direito de escolha" das mulheres a usar o véu integral estão a apoiar uma ideologia que só atribui um direito às mulheres - o de cobrirem os seus rostos - pondo de parte as mulheres que o fazem por sua opção, ainda que condicionadas pelo peso da cultura e da tradição, não é esta lei que vai libertar as muçulmanas da discriminação e subjugação por parte dos seus maridos, pais e familiares. A lei francesa não permite às mulheres saírem de casa de véu; a tradição islâmica não lhes permite sair de casa sem véu. Duas soluções: ou a sua comunidade se torna súbita e inesperadamente menos fundamentalista, ou estão condenadas a prisão domiciliária. O caminho a percorrer é longo, bem mais longo que este atalho legal.


Para o governo francês, trata-se aparentemente de uma questão de igualdade, dignidade, integração. Percebo e aplaudo a intenção de não criar guetos culturais e integrar todos os habitantes franceses de modo a que a convivência seja pacífica e tolerante. Contudo, acho que esta medida é a forma mais rápida de se conseguir o contrário. Radicalizar posições só serve para afastar as duas culturas, incentivando o “orgulho muçulmano” a exacerbar as suas diferenças e identidade própria.

Recuperando o lema da revolução francesa (os tais princípios republicanos referidos pela ministra francesa) - Liberté, Egalité, Fraternité - podemos reparar que a igualdade está devidamente enquadrada pela liberdade e pela fraternidade. Não faz sentido, pois, aceitar que a igualdade se consegue pela imposição de vestirmos os mesmos trajes, comermos a mesma comida ou termos os mesmos princípios e cultura. Em suma, igualdade não é normalização. Só seremos iguais enquanto todos tivermos liberdade de fazermos as nossas escolhas e seguirmos os nossos princípios e culturas.

Já no passado Sarkozy havia relacionado o uso deste tipo de indumentária com a perda da identidade francesa. De resto, este acto parece totalmente enquadrado com a expulsão de ciganos ou a proibição de minaretes na Suiça: más desculpas para branqueamentos étnicos.

Conforme demonstra Raquel Evita Saraswati, num texto que vale a pena ler e reler, a burqa e o niqab foram criados para tornar invisíveis as mulheres dentro de algumas sociedades muçulmanas. O estado francês criou uma lei que torna invisíveis as mulheres muçulmanas aos olhos da sociedade francesa. Num e noutro caso, o instrumento é o mesmo: o corpo da mulher. É diferente?

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O Preço Certo | A Autoridade e a Concorrência

Chama-se Galp Base e já está a funcionar num posto em Setúbal. Carlos Barbosa, presidente do ACP, diz que esta é a prova de que a gasolineira 'sempre pôde baixar o preço dos combustíveis'.
Numa tentativa de combater o preço da gasolina dos hipermercados, a Galp lançou um conceito do género, denominado Galp Base, com preços de combustíveis mais baixos. [...]
O Automóvel Clube de Portugal (ACP) já reagiu a este anúncio, referindo que esta é a prova de que a Galp 'sempre pôde baixar o preço dos combustíveis'. 'É uma prova de que tínhamos razão, porque o combustível que a Galp quer agora vender em Setúbal numa chamada ‘bomba piloto’ vai acontecer no resto do país, porque a Galp tem margens para poder baixar os combustíveis', referiu o presidente do ACP, Carlos Barbosa.
O presidente do ACP lembrou ainda que 'Talvez seja altura de perceber que a [Autoridade da] Concorrência não funcionou mais uma vez', desejando que a partir de agora 'tenha percebido a lição, de uma vez por todas, de que os combustíveis podem ser mais baratos em Portugal'.
Questionado sobre o nosso jornal sobre as declarações de Carlos Barbosa, Pedro Marques Pereira foi peremptório. 'Estamos a falar de produtos diferentes. A gasolina é diferente, as infraestruturas são diferentes, o nível de serviço não exige mais do que um empregado. Por isso o preço baixa'.
O anúncio da abertura da Galp Base surge no mesmo dia em que o 'Diário Económico' noticiou que um quarto do mercado dos combustíveis está a escapar às grandes superfícies, dado o crescimento dos postos dos hipermercados que vendem combustíveis mais baratos.




Segundo o ACP, a Autoridade da Concorrência não funcionou. A meu ver, se o papel da Autoridade da Concorrência é obrigar as empresas a praticar preços mais baixos porque sim, está condenado ao mais absoluto falhanço. Aliás, qual o sentido disso? Crie-se então uma Autoridade dos Preços Baixos. Só percebo uma Autoridade da Concorrência que sirva para promover (espanto!) a concorrência. 

A história é simples. Os principais distribuidores tinham um modelo de negócio idêntico - mesmo tipo de serviço e preços similares. Surgiram postos em hipermercados com preços low-cost e estruturas mais leves. Seguiram-se um rápido aumento do preço dos combustíveis e uma crise económica, que tornaram os consumidores mais sensíveis ao preço. A desconfiança inicial quanto à qualidade dos low-cost (alimentada pelos grandes distribuidores) foi ultrapassada com o tempo e a experiência, e o seu peso cresceu de forma clara.

Hoje em dia, quem dá prioridade aos preços baixos tem postos de abastecimento low-cost, e quem não quer sair do carro para abastecer também tem as suas opções. Isto aconteceu não porque alguém se lembrou de obrigar as gasolineiras a reduzir preços, mas porque o Intermarché, o Carrefour, o E. Leclerc e o Jumbo (pelo menos) perceberam que havia um segmento de mercado que não estava a ser adequadamente servido. 

De facto, "os combustíveis podem ser mais baratos em Portugal", mas também podem ser caros, se alguém preferir um serviço mais cómodo. Por isso não faz sentido limitar preços, porque nem todos queremos o mesmo. Precisamos de preços baixos, tal como precisamos de preços altos.

A actuação de reguladores pela proibição é preguiçosa e pouco inteligente. Limitar preços, ou limitar cobranças de taxas e comissões, por exemplo, não trazem qualquer benefício na generalidade dos casos. A meu ver, o foco da actuação deveria ser colocado, isso sim, na promoção da concorrência (facilitar a entrada de empresas no sector) e na publicitação de informação sobre preços e condições de cada oferta.

A partir daí, a decisão é de cada consumidor, com base nas suas prioridades e não nas prioridades da Autoridade da Concorrência.


quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Fábulas da Floresta Verde | Umas inverdades convenientes







Like it or not, global warming is real, it is man-made, and we need to do something about it. But we are not facing the end of the world.



Climate science is a subtle and fiendishly convoluted discipline that rarely yields unambiguous forecasts or straightforward prescriptions. And after 20 years of much talk but precious little action on global warming, a certain amount of frustration is to be expected. There is an understandable desire to want to cut through the verbiage and shake people by the shoulders.


Unfortunately, trying to scare the socks off of people doesn’t help matters. Yes, a startling statistic, combined with some hyperbolic prose, will make us sit up and pay attention. But we quickly become desensitized, requiring ever more outrageous scenarios to move us. As the scare stories become more inflated, so, too, does the likelihood that they will be exposed for the exaggerations that they are – and the public will end up tuning the whole thing out.


This may explain recent polling data showing that public concern about global warming has declined precipitously in the last three years. In the United States, for example, the Pew Institute reported that the number of Americans who regard global warming as a very serious problem had declined from 44% in April 2008 to only 35% last October. More recently, a BBC study found that only 26% of Britons believe that man-made “climate change is happening,” down from 41% in November 2009. And in Germany, Der Spiegel magazine reported survey results showing that only 42% feared global warming, compared with 62% in 2006.


Fear may be a great motivator in the short term, but it is a terrible basis for making smart decisions about a complicated problem that demands our full intelligence for a long period.










Por vezes a realidade não nos basta. É pequena, triste, insuficiente.

Desde que o mundo decidiu dar as mãos na luta contra as alterações climáticas, há uns anos, de olhos colados em Uma Verdade Inconveniente de Al Gore, uma enxurrada de conclusões científicas assustadoras colocou o ambiente nas bocas do mundo. Contudo, as nossas prioridades mudam, e em época de crise não é fácil mantermos em mente que as nossas acções quotidianas farão com que o mundo acabe lá para 2050 ou coisa que o valha.

Gosto de ler o Bjorn Lomborg não por achar que, no meio de todo o ruído produzido pelos ambientalistas, é ele que nos apresenta a Verdade, mas sim porque tem um ponto de vista diferente daquilo que normalmente nos entra pelos ouvidos adentro. 

Neste artigo, defende que a escalação de argumentos apocalípticos anti-aquecimento global surgiu como reacção de ambientalistas e cientistas ao adormecimento das populações. Como um paciente que vai criando resistências a um medicamento que usa de forma prolongada, são necessárias doses cada vez maiores de medo para manter as populações acordadas. O problema é que ao inflacionar a realidade e optar por cenários extremos se resvala facilmente para argumentos que já pouco ou nada têm de verdade. Ainda está fresco o Climategate, talvez o exemplo maior destas acções.

Resultado: crescente desconfiança geral acerca dos cenários apresentados. Ou pior: descrédito até dos factos consensuais no meio científico, como a acção humana no aquecimento global.

O Lomborg argumenta que por detrás desta actuação se encontra a frustração de quem alerta para um perigo constantemente ignorado. Não pondo de lado esta justificação, acrescento outra: o ego. Penso que se percebe facilmente que quanto mais importante é a economia, mais importantes se tornam os economistas; quanto maior a atenção à saúde, tanto mais importantes serão os médicos. Da mesma forma, acredito que a cada convite para mais uma conferência crescia o amor pelo ambiente por parte dos Al Gores deste mundo. 

Ambientalistas e cientistas transformaram uma verdade inconveniente numa série de inverdades convenientes. Não vale a pena recriminar, até o ego é natural.

Por mim, não tenho dúvidas: se queremos que as pessoas prestem atenção às consequências da poluição, temos de motivar onde dói, e onde não se esquece. Estou certo de que a subida de preço dos combustíveis tem feito mais pelo desenvolvimento dos motores eléctricos e pelas energias limpas do que todos os discursos anti-poluição e todos os ursos polares a boiar em icebergues de 3x4 metros.